“Afinal, o que é esse tal Decreto 8.243?”
Por Erick Vizolli · 30/05/2014
“Been away so long I hardly knew the place / Gee, it’s good to be back home! /Leave it till tomorrow to unpack my case / Honey, disconnect the phone! / I’m back in the USSR!” (The Beatles – Back in the USSR)
Introdução
O maior problema do
estado é que, tal qual um paciente de hospício, ele acredita possuir
superpoderes, podendo violar as regras da natureza como bem entender. Dois
exemplos bem conhecidos pelos liberais: ele considera ser capaz de ler mentes
de milhares de pessoas ao mesmo tempo
com uma precisão incrível e ter uma superinteligência capaz de fazer milhões de cálculos
econômicos por segundo. Um
roteirista de história em quadrinhos não faria melhor.O estado brasileiro, no entanto, não está satisfeito com seus delírios atuais, e pretende aumentar o espectro dos seus poderes sobrenaturais para dois campos que a Física considera praticamente inalcançáveis. E parece estar conseguindo: desde 26/05/2014, viagem no tempo e teletransporte passaram a ser oferecidos de graça a todo e qualquer cidadão brasileiro.
Obviamente, a tecnologia está nos seus primórdios e ainda tem suas limitações, de tal modo que você, pretenso candidato a Marty McFly, pode escolher apenas um destino para suas aventuras: a Rússia de abril de 1917. Em compensação, prepare-se: graças ao estado brasileiro, você está prestes a enfrentar a experiência soviética em todo o seu esplendor.
A “máquina do tempo” que nos leva de volta a 1917 tem um nome no mínimo inusitado: chama-se “Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014”. Aqui a denominaremos apenas de “Decreto 8.243”, ou “Decreto”.
Este artigo se destina a investigar o seu funcionamento – ou, mais especificamente, quais as modificações que esse decreto introduz na administração pública. Também farei algumas breves considerações a respeito da analogia que se pode fazer entre o modelo por ele instituído e aquele que levou à instauração do socialismo na Rússia: trata-se, no entanto, apenas de uma introdução ao tema, que, pela importância que tem, com certeza ainda gerará discussões muito mais aprofundadas.
O Decreto 8.243/2014
Chamado por um editorial do
Estadão de “um conjunto
de barbaridades jurídicas” e por Reinaldo Azevedo de “a instalação da ditadura petista por
decreto”, o Decreto 8.243 foi editado pela Presidência da república em
23/05/14, tendo sido publicado no Diário Oficial no dia 26 e entrado em vigor
na mesma data.Entender qual o real significado do Decreto exige ler pacientemente todo o seu texto, tarefa relativamente ingrata. Como todo bom decreto governamental, trata-se de um emaranhado de regras cuja formulação chega a ser medonha de tão vaga, sendo complicado interpretá-lo sistematicamente e de uma forma coerente. Tentarei, aqui, fazê-lo da forma mais didática possível, sempre considerando que grande parte do público leitor dessa página não é especialista na área jurídica (a propósito: que sorte a de vocês.).
Iniciemos do início, pois. Como o nome diz, trata-se de um “decreto”. “Decreto”, no mundo jurídico, é o nome que se dá a uma ordem emanada de uma autoridade – geralmente do Poder Executivo – que tem por objetivo dar detalhes a respeito do cumprimento de uma lei. Um decreto se limita a isso – detalhar uma lei já existente, ou, em latinório jurídico, ser “secundum legem”. Ao elaborá-lo, a autoridade não pode ir contra uma lei (“contra legem”) ou criar uma lei nova (“præter legem”). Se isso ocorrer, o Poder Executivo estará legislando por conta própria, o que é o exato conceito de “ditadura”. Ou seja: um decreto emitido em contrariedade a uma lei já existente deve ser considerado um ato ditatorial.
É exatamente esse o caso do Decreto 8.243. Logo no início, vemos que ele teria sido emitido com base no “art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 3º, caput, inciso I, e no art. 17 da Lei nº 10.683”. Traduzindo para o português, tratam-se de alguns artigos relacionados à organização da administração pública, dentre os quais o mais importante é o art. 84, VI da Constituição – o qual estabelece que o Presidente pode emitir decretos sobre a “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.
Guarde essa última frase. Como veremos adiante, o que o Decreto 8.243 faz, na prática, é integrar à Administração Pública vários órgãos novos – às vezes implícita, às vezes explicitamente –, algo que é constitucionalmente vedado ao Presidente da República. Portanto, logo de cara percebe-se que se trata de algo inconstitucional – o Executivo está criando órgãos públicos mesmo sendo proibido a fazer tal coisa.
Os absurdos jurídicos, contudo, não param por aí.
A “sociedade civil”
Analisemos o texto do
Decreto, para entender quais exatamente as modificações que ele introduz no
sistema governamental brasileiro.Em princípio, e para quem não está acostumado com a linguagem de textos legais, a coisa toda parece de uma inocência singular. Seu art. 1º esclarece tratar-se de uma nova política pública, “a Política Nacional de Participação Social”, que possui “o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”. Ou seja: tratar-se-ia apenas de uma singela tentativa de aproximar a “administração pública federal” – leia-se, o estado – da “sociedade civil”.
O problema começa exatamente nesse ponto, ou seja, na expressão “sociedade civil”. Quando usado em linguagem corrente, não se trata de um termo de definição unívoca: prova disso é que sobre ele já se debruçaram inúmeros pensadores desde o século XVIII. Tais variações não são o tema deste artigo, mas, para quem se interessar, sugiro sobre o assunto a leitura deste texto de Roberto Campos, ainda atualíssimo.
Para o Decreto, contudo, “sociedade civil” tem um sentido bem determinado, exposto em seu art. 2º, I: dá-se esse nome aos “cidadãos, coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”.
Muita atenção a esse ponto, que é de extrema importância. O Decreto tem um conceito preciso daquilo que é considerado como “sociedade civil”. Dela fazem parte não só o “cidadão” – eu e você, como pessoas físicas – mas também “coletivos, movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”. Ou seja: todos aqueles que promovem manifestações, quebra-quebras, passeatas, protestos, e saem por aí reivindicando terra, “direitos” trabalhistas, passe livre, saúde e educação – MST, MTST, MPL, CUT, UNE, sindicatos… Pior: há uma brecha que permite a participação de movimentos “não institucionalizados” – conceito que, na prática, pode abranger absolutamente qualquer coisa.
Em resumo: “sociedade civil”, para o Decreto, significa “movimentos sociais”. Aqueles mesmos que, como todos sabemos, são controlados pelos partidos de esquerda – em especial, pelo próprio PT. Não se enganem: a intenção do Decreto 8.243 é justamente abrir espaço para a participação política de tais movimentos e “coletivos”. O “cidadão” em nada é beneficiado – em primeiro lugar, porque já tem e sempre teve direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, “a” da Constituição); em segundo lugar, porque o Decreto não traz nenhuma disposição a respeito da sua “participação popular” – aliás, a palavra “cidadão” nem é citada no restante do texto, excetuando-se um princípio extremamente genérico no art. 3º.
Podemos, então, reescrever o texto do art. 1º usando a própria definição legal: o Decreto, na verdade, tem “o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e os movimentos sociais”.
Compreender o significado de “sociedade civil” no contexto do Decreto é essencial para se interpretar o resto do seu texto. Basta notar que a expressão é repetida 24 (vinte e quatro!) vezes ao longo do restante do texto, que se destina a detalhar os instrumentos a serem utilizados na tal “Política Nacional de Participação Social”.
“Mecanismos de participação social”
Ok, então: há uma
política que visa a aproximar estado e “movimentos sociais”. Mas no que
exatamente ela consiste? Para responder a essa questão, comecemos pelo art. 5º,
segundo o qual “os órgãos e entidades da administração pública federal
direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar
as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste
Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus
programas e políticas públicas”.
Traduzindo o
juridiquês: a partir de agora, todos os “os órgãos e entidades da
administração pública federal direta e indireta” (ou seja, tudo o que se
relaciona com o governo federal: gabinete da Presidência, ministérios, universidades
públicas…) deverão formular seus programas em atenção ao que os tais “mecanismos
de participação social” demandarem. Na prática, o Decreto obriga órgãos
da administração direta e indireta a ter a participação desses “mecanismos”.
Uma decisão de qualquer um deles só se torna legítima quando houver essa
consulta – do contrário, será juridicamente inválida. E, como informam os
parágrafos do art. 5º, essa participação deverá ser constantemente controlada,
a partir de “relatórios” e “avaliações”.
Os “mecanismos de
participação social” são apresentados no art. 2º e no art. 6º, que fornecem uma
lista com nove exemplos: conselhos e comissões de políticas públicas,
conferências nacionais, ouvidorias federais, mesas de diálogo, fóruns
interconselhos, audiências e consultas públicas e “ambientes virtuais de
participação social” (pelo visto, nossos amigos da MAV-PT acabam de ganhar mais
uma função…).
A rigor, todas essas
figuras não representam nada de novo, pois já existem no direito brasileiro.
Para ficar em alguns exemplos: “audiências públicas” são realizadas a todo
momento, a expressão “conferência nacional” retorna 2.500.000 hits no
Google e há vários exemplos já operantes de “conselhos de políticas públicas”,
como informa este breve relatório da
Câmara dos Deputados sobre o tema. Qual seria o problema, então?
A questão está,
novamente, nos detalhes. Grande parte do restante do Decreto – mais
especificamente, os arts. 10 a 18 – destinam-se a dar diretrizes, até hoje
inexistentes (ao menos de uma forma sistemática), a respeito do funcionamento
desses órgãos de participação. E nessas diretrizes mora o grande problema. Uma
rápida leitura dos artigos que acabei de mencionar revela que várias delas
estão impregnadas de mecanismos que, na prática, têm o objetivo de inserir os
“movimentos sociais” a que me referi acima na máquina administrativa
brasileira.
Vamos dar um exemplo,
analisando o art. 10, que disciplina os “conselhos de políticas públicas”.
Em seus incisos, estão presentes várias disposições que condicionam sua
atividade à da “sociedade civil” – leia-se, aos “movimentos sociais”, como
demonstrado acima. Por exemplo: o inciso I determina que os representantes de
tais conselhos devem ser “eleitos ou indicados pela sociedade civil”, o
inciso II, que suas atribuições serão definidas “com consulta prévia à
sociedade civil”. E assim por diante. Essas brechas estão espalhadas ao
longo do texto do Decreto, e, na prática, permitem que “coletivos,
movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e
suas organizações” imiscuam-se na própria Administração Pública.
O art. 19, por sua
vez, cria um órgão administrativo novo (lembram do que falei sobre a
inconstitucionalidade, lá em cima?): “a Mesa de Monitoramento das Demandas
Sociais, instância colegiada interministerial responsável pela coordenação e encaminhamento
de pautas dos movimentos sociais e pelo monitoramento de suas respostas”.
Ou seja: uma bancada pública feita sob medida para atender “pautas dos
movimentos sociais”, feito balcão de padaria. Para quem duvidava das reais
intenções do Decreto, está aí uma prova: esse artigo sequer tem o pudor de
mencionar a “sociedade civil”. Aqui já é MST, MPL e similares mesmo, sem
intermediários.
Enfim, para resumir
tudo o que foi dito até aqui: com o Decreto 8.243, (i) os “movimentos
sociais” passam a controlar determinados “mecanismos de participação social”;
(ii) toda a Administração Pública passa a ser obrigada a considerar tais
“mecanismos” na formulação de suas políticas. Isto é: o MST passa a dever
ser ouvido na formulação de políticas agrárias; o MPL, na de transporte; aquele
sindicato que tinge a cidade de vermelho de quando em quando passa a opinar
sobre leis trabalhistas. “Coletivos, movimentos sociais, suas redes e suas organizações”
se inserem no sistema político, tornando-se órgãos de consulta: na prática, uma
extensão do Legislativo.
“Back in the U.S.S.R.”!
Esse sistema de
“poder paralelo” não é inédito na História – e entender as experiências
pretéritas é uma excelente maneira de se compreender o que significam as
atuais. É isso que, como antecipei no início do texto, nos leva de volta a 1917
e aos “sovietes” da Revolução Russa, possivelmente o exemplo mais conhecido e
óbvio desse tipo de organização. Se é verdade que “aqueles que não podem
lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”, como diz o clássico
aforismo de George Santayana, é essencial voltar os olhos para o passado e
entender o que de fato se passou quando um modelo de organização social
idêntico ao instituído pelo Decreto 8.243 foi adotado.
Essa análise nos leva
ao momento imediatamente posterior à Revolução de Fevereiro, que derrubou
Nicolau II. O clima de anarquia gerado após a abdicação do czar levou à
formação de um Governo Provisório inicialmente desorganizado e pouco coeso,
incapaz de governar qualquer coisa que fosse.
Paralelamente,
formou-se na capital russa (Petrogrado) um conselho de trabalhadores – na
verdade, uma repetição de experiências históricas anteriores similares, que na
Rússia remontavam já à Revolução de 1905. Tal conselho – o Soviete de
Petrogrado – consistia de “deputados” escolhidos aleatoriamente nas fábricas e
quarteis. Em 15 dias de existência, o soviete conseguiu reunir mais de três mil
membros, cujas sessões eram realizadas de forma caótica – na realidade, as decisões
eram tomadas pelo seu comitê executivo, conhecido como Ispolkom. Nada
diferente de um MST, por exemplo.
A ampla influência
que o Soviete possuía sobre os trabalhadores fez com que os representantes do
Governo Provisório se reunissem com seus representantes (1º-2 de março de 1917)
em busca de apoio à formação de um novo gabinete. Isto é: o Governo Provisório
foi buscar sua legitimação junto aos sovietes, ciente de que, sem esse apoio,
jamais conseguiria firmar qualquer autoridade que fosse junto aos trabalhadores
industriais e soldados. O resultado dessas negociações foi o surgimento de um
regime de “poder dual” (dvoevlastie), que imperaria na Rússia de
março/1917 até a Revolução de Outubro: nesse sistema, embora o Governo
Provisório ocupasse o poder nominal, este na prática não passava de uma
permissão dos sovietes, que detinham a influência majoritária sobre setores
fundamentais da população russa. A Revolução de Outubro, que consolidou o
socialismo no país, foi simplesmente a passagem de “todo o poder aos sovietes!”
(“vsia vlast’ sovetam!”) – um poder que, na prática, eles já detinham.
Antes mesmo do
Decreto 8.243, o modelo soviético já antecipava de forma clara o fenômeno dos
“movimentos sociais” que ocorre no Brasil atualmente. Com o Decreto, a similaridade
entre os modelos apenas se intensificou.
Em primeiro lugar, e
embora tais movimentos clamem ser a representação do “povo”, dos
“trabalhadores”, do “proletariado” ou de qualquer outra expressão genérica,
suas decisões são tomadas, na realidade, por poucos membros – exatamente como
no Ispolkom soviético, a deliberação parte de um corpo diretor
organizado e a aclamação é buscada em um segundo momento, como forma de
legitimação. Qualquer assembleia de movimentos de esquerda em universidades é
capaz de comprovar isso.
Além disso, a
institucionalização de conselhos pelo Decreto 8.243 leva à ascensão política
instantânea de “revolucionários profissionais” – pessoas que dedicam suas vidas
inteiras à atividade partidária, em uma tática já antecipada por Lênin em seu
panfleto “Que Fazer?”, de 1902 (capítulo 4c). Explico melhor. Vamos
supor por um momento que o Decreto seja um texto bem intencionado, que de fato
pretenda “inserir a sociedade civil” dentro de decisões políticas (como, aliás,
afirma o diretor de Participação Social da Presidência da República neste artigo
d’O Globo). Ora, quem exatamente teria
tempo para participar de “conselhos”, “comissões”, “conferências” e
“audiências”? Obviamente, não o cidadão comum, que gasta seu dia trabalhando,
levando seus filhos para a escola e saindo com os amigos. Tempo é um fator
escasso, e a maioria das pessoas simplesmente não possui horas de sobra para
participar ativamente de decisões políticas – é exatamente por isso que
representantes são eleitos para essas situações. Quem são as exceções? Não é
difícil saber. Basta passar em qualquer sindicato ou diretório acadêmico: ele
estará cheio de “revolucionários profissionais”, cuja atividade política
extraoficial acabou de ser legitimada por decreto presidencial.
A questão foi bem
resumida por Reinaldo Azevedo, no texto que citei no início deste artigo. Diz o
articulista: “isso que a presidente está chamando de ‘sistema de participação’
é, na verdade, um sistema de tutela. Parte do princípio antidemocrático de que
aqueles que participam dos ditos movimentos sociais são mais cidadãos do que os
que não participam. Criam-se, com esse texto, duas categorias de brasileiros:
os que têm direito de participar da vida púbica [sic] e os que não têm.
Alguém dirá: ‘Ora, basta integrar um movimento social’. Mas isso implicará,
necessariamente, ter de se vincular a um partido político”.
Exatamente por esses
motivos, tal forma de organização confere a extremistas de esquerda
possibilidades de participação política muito mais amplas do que eles teriam em
uma lógica democrática “verdadeira” – na qual ela seria reduzida a praticamente
zero. Basta ver que o Partido Bolchevique, que viria a ocupar o poder na Rússia
em outubro de 1917, era uma força política praticamente irrelevante dentro do
país: sua subida ao poder se deve, em grande parte, à influência que exercia
sobre os demais partidos socialistas (mencheviques e
socialistas-revolucionários) dentro do sistema dos sovietes. Algo análogo
ocorre no Brasil atual: salvo exceções pontuais, PSOL, PSTU et caterva
apresentam resultados pífios nas eleições, mas por meio da ação de “movimentos
sociais” conseguem inserir as suas pautas na discussão política. As
manifestações pelo “passe livre” – uma reivindicação extremamente minoritária,
mas que após um quebra-quebra nacional ocupou grande parte da discussão
política em junho/julho de 2013 – são um exemplo evidente disso.
Pior: a administração pública é engessada, estagnada. Não no sentido definido no artigo d’O Globo que linkei acima (demora na tomada de decisões), mas em outro: os cargos decisórios desse “poder Legislativo paralelo” passam a ser ocupados sempre pelas mesmas pessoas. Suponhamos, em um esforço muito grande de imaginação, que o PT perca as eleições presidenciais de 2018 e seja substituído por, digamos, Levy Fidelix e sua turma. Com a reforma promovida pelo Decreto 8.243 e a ocupação de espaços de deliberação por órgãos não eletivos, seria impossível ao novo presidente implantar suas políticas aerotrênicas: toda decisão administrativa que ele viesse a tomar teria que, obrigatoriamente, passar pelo crivo de conselhos, comissões e conferências que não são eleitos por ninguém, não renovam seus quadros periodicamente e não têm transparência alguma. Ou seja: ainda que o titular do governo venha a mudar, esses órgãos (e, mais importante, os indivíduos a eles relacionados) permanecem dentro da máquina administrativa ad eternum, consolidando cada vez mais seu poder.
Conclusão
O Decreto 8.243 é,
possivelmente, o passo mais ousado já tomado pelo PT na consecução do
“socialismodemocrático” – aquele sistema no qual você está autorizado a
expressar a opinião que quiser, desde que alinhada com o marxismo. Sua real
intenção é criar um “lado B” do Legislativo, não só deslegitimando as
instituições já existentes como também criando um meio de “acesso facilitado”
de movimentos sociais à política.
Boa parte dos
leitores dessa página podem estar se perguntando: “e daí?”. Afinal, sabemos que
a democracia representativa é um sistema imperfeito: suas falhas já foram
expostas por um número enorme de autores, de Tocqueville a Hans-Hermann Hoppe.
É verdade.No entanto, a democracia representativa ainda é “menos pior” do que a alternativa que se propõe. Um sistema onde setores opostos da sociedade se digladiam em uma arena política, embora tenda necessariamente a favorecimentos, corrupção e má aplicação de recursos, ainda possui certo “controle” interno: leis e decisões administrativas que favoreçam demais a determinados grupos ou restrinjam demasiadamente os direitos de outros em geral tendem a ser rechaçadas. Isso de forma alguma ocorre em um sistema onde decisões oficiais são tomadas e “supervisionadas” por órgãos cujo único compromisso é o ideológico, como o que o Decreto 8.243 tenta implementar.
Esse segundo caso, na verdade, nada mais é do que uma pisada funda no acelerador na autoestrada para a servidão.
Erick Vizolli é advogado e anarco-monarquista de extremo centro. Defende a liberdade econômica e política pelo simples motivo de que, nesse sistema, a produção de zoeira é maximizada
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