Ao assinar o decreto que liberou o porte de
armas para uma série de categorias de trabalhadores, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que atuou “no
limite da lei”. Sua legalidade, no entanto, tem sido questionada por
organizações que atuam na área da segurança pública no Brasil.
O decreto de nº 9.785, ratificado pelo presidente nesta terça-feira (7)
e publicado no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (8), alterou a
regulamentação anterior do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003.
A princípio, Bolsonaro destacou que essa nova flexibilização do porte
seria destinada para caçadores, atiradores esportivos, colecionadores (CACs) e
praças das Forças Armadas.
Contudo, o texto
ampliou a permissão para políticos, caminhoneiros, advogados, pessoas que vivem
em área rural, profissionais da imprensa que atuem na cobertura policial,
conselheiros tutelares e profissionais do sistema socioeducativo.
“Com esse decreto, o presidente está burlando a legislação. Ele está
contornando o Estatuto do Desarmamento, que estabelecia que, até mesmo os
profissionais que teriam direito de andar armado, deveriam justificar a efetiva
necessidade para a Polícia Federal”, explica Melina Risso, diretora de
Programas do Instituto Igarapé, think tank do Rio de Janeiro especializado
em políticas públicas de combate à criminalidade.
Isso significa que
os profissionais citados não precisam mais comprovar efetiva necessidade para
obter o porte, que anteriormente era submetida à aprovação da Polícia Federal.
Essa foi a mesma estratégia adotada
no decreto que flexibilizou o posse de armas, assinado em fevereiro deste ano,
que liberou o registro para todos que morarem em estado com taxa de homicídios
superior a 10 para cada 100 mil habitantes de acordo com os dados do
Atlas de Violência de 2017.
O Estatuto do Desarmamento liberava o porte para apenas 11 categorias, a
maioria delas ligada à segurança pública e privada. O novo decreto assinado
ontem amplia este número para 20.
Isso significa que o governo está modificando o Estatuto, que é uma lei
federal, e isso só poderia ser feito pelo Congresso.
“A Constituição
Federal prevê que, quando o Executivo quiser fazer mudanças significativas em
uma lei federal, como é o Estatuto do Desarmamento, só uma outra lei federal
pode substituí-la. Sendo assim, o debate necessariamente precisa ser feito no
Congresso”, afirma João Paulo Martinelli, advogado criminalista e professor da
Escola de Direito do Brasil (EDB).
Questionamentos em
torno da legalidade do ato do governo já estão em curso. Nesta tarde, o partido
Rede Sustentabilidade já entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF)
contra o decreto.
Para a sigla, o texto é um “verdadeiro libera geral” e “põe em risco a segurança de toda a sociedade e a vida das pessoas”. O partido acusa de o Palácio do Planalto anunciar a medida sem haver “amparo científico”, além de usurpar o poder de legislar do Congresso Nacional, “violando, desta forma, garantias básicas do Estado Democrático de Direito.
“Vale destacar que o Decreto não foi divulgado à imprensa nem por ocasião da cerimônia de assinatura. O texto aparentemente nem mesmo passou por revisão, tendo em vista as diversas falhas de formatação do texto publicado. Não houve discussão com a sociedade, consulta pública do Decreto ou qualquer outra medida afim”, diz o partido.
Aumento da violência
Tanto Bolsonaro
quanto o ministro Sérgio Moro destacaram que o decreto não é uma medida de
segurança pública.
No entanto, isso
envolve, principalmente, o risco de aumento dos números alarmantes da violência
no Brasil, que tem uma média de 60 mil assassinatos no ano.
Uma análise de Thomas Conti,
professor auxiliar no Insper e doutorando em Economia, que compilou
dezenas de pesquisas acadêmicas sobre o tema entre 2013 e 2017, mostra que a esmagadora maioria dos estudos
apresentam resultados contrários à “Mais Armas, Menos Crimes”.
Outro motivo é que
o grupo dos chamados CACs, que agora terão porte liberado, é cada vez mais
amplo no Brasil.
Em 2003, havia
apenas 203 CACs registrados no país e hoje são 250 mil. O número de novos
registros explodiu 879% só entre 2014 e 2018, segundo dados do Sou da Paz.
“Como os CACs têm
benefícios legais para armas de fogo, com permissão do Exército brasileiro,
quem queria se armar, mas não tinha aprovação da Polícia Federal, começou a
buscar esses clubes de tiros. Além disso, despachantes começaram a se
especializar nesse tipo de registro”, diz Felippe Angeli.
Também há
levantamentos apontando que uma parte das armas que caem na mão de criminosos
têm origem legal neste grupo.
De acordo com o Sou
da Paz, os CACs reportaram ao Exército o furto, roubo ou perda de 5.808 armas
de fogo só entre 2010 e 2016.
“O que esse decreto faz, além de usurpar o poder, cria mais uma fonte de
armas para os criminosos”, diz Felippe Angeli, assessor de advocacy do
Instituto Sou da Paz.
Em 2016, a Comissão
Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro criada
para investigar o desvio de armamentos no Estado revelou que, entre 2005 e
2015, 17 mil armas foram roubadas de empresas de segurança, número que
representa 30% de todo o arsenal disponível no estado. Fonte: EXAME.com.
Considerações:
O presidente Jair Bolsonaro está
decepcionando os seus eleitores. A promessa de campanha sobre o porte de armas,
agora aprovado por decreto, não pode, em hipótese alguma, dispensar o diálogo
com o Legislativo, e isso é muito grave, inclusive repercute de forma negativa
na aprovação de seu projeto sobre a reforma da Previdência.
Não se discute, por exemplo, que os proprietários rurais precisam se proteger contra os invasores do MST, mas o decreto ficou mais amplo do que previsto e invadiu a fronteira do Legislativo.
Ora, quem tem de legislar sobre segurança é o Legislativo, em consonância com a Constituição Federal, como o fez no Estatuto do Desarmamento.
O
governo precisa agir com racionalidade, prudência e sem
ferir o espírito constitucional. Os exemplos negativos da liberação de portes de armas são muito presentes,
por exemplo, nos EUA. Portanto, o decreto merece reprovação.
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