Como STF, Brizola proibiu operações em favelas no Rio há 40 anos; medida fortalece facções criminosas
Já durante a campanha para o governo do Estado, em
1982, Brizola deu o tom de como seria sua política de Segurança Pública: “Minha
polícia jamais vai abrir portas de barraco a butinaço”, disse à época. O
principal argumento do governador era a violência por parte de policiais
durante operações na Baixada Fluminense.
Além disso, Brizola compartilhava da ideia que a
Educação era mais eficiente que a segurança pública na prevenção da
criminalidade. Durante seu primeiro mandato (1983-1986), ele inaugurou os
Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), os Brizolões, para
fomentar o ensino dentro de comunidades carentes. Achava que isso seria
suficiente para conter a criminalidade.
Mas a intenção do governador acabou não se
encontrando com a realidade. Por serem edifícios construídos em regiões remotas
das favelas, os equipamentos acabaram servindo como bases para o tráfico de
drogas e foram abandonados pelas gestões posteriores.
O saldo da diminuição da presença da polícia gerou
o inverso do que foi pretendido: o fortalecimento de organizações criminosas.
Na época, o Comando Vermelho crescia no Rio de Janeiro e se consolidava como
substituto da primeira facção do Estado, a Falange Vermelha.
Segundo o coronel da Polícia Militar Paulo César
Amêndola, idealizador do projeto que originou o Batalhão de Operações Especiais
do Rio de Janeiro (Bope), a proibição das operações nas comunidades "deu
carta branca" para que a criminalidade pudesse crescer no Rio.
"Eu estava na ativa quando isso aconteceu.
Quando se toma esse tipo de decisão, é o mesmo que dar uma carta branca para
que a criminalidade se perpetue. Ele (Brizola) impediu a polícia de cumprir o
papel da polícia de prender bandido, de apreender armamento, drogas etc. Os
números (da violência da época) não mentem", disse o militar aposentado.
Ele acrescentou: "Na medida que há uma decisão
política impedindo que a polícia cumpra o que a lei manda cumprir, podemos
entender que o governo do Estado está deixando campo para que a marginalidade
aumente seu grau de ousadia e cumpra suas missões criminosas como se houvesse
aval do governo".
Homicídios dispararam no Estado do Rio
nas décadas de 80 e 90
De acordo com dados do Ministério da Justiça e da
Saúde apurados no Mapa da Violência, após a coibição das operações policiais
nas favelas, o Estado do Rio viu a taxa de homicídios sair de 15,9 vítimas por
100 mil habitantes em 1983 para 20,2 em 1986, último ano de Brizola como
governador.
Para o antropólogo e ex-capitão do Bope, Paulo
Storani, autor do livro “Vá e Vença” (Ed. Best Seller, 2018), a proibição é
fruto de uma visão distorcida dos agentes políticos que foram perseguidos pelo
regime militar, época em que as polícias eram subordinadas ao
Exército. Ele diz que a imagem da Polícia Militar acabou distorcida.
“Por ter sido usada na repressão, durante o regime
militar, e pela forma que atuava nas operações em favelas, semelhante às ações
que ainda permeavam o imaginário dos anistiados, a PM foi rotulada como uma
instituição das forças de repressão política, agora alcançável pelos novos
detentores do poder”, diz Storani.
O sucessor de Brizola, o governador Wellington
Moreira Franco, retomou as operações policiais nos morros. Ao assumir o
governo, em 1987, Franco herdou uma taxa de 30,9 homicídios por 100 mil
habitantes e prometeu que acabaria com a violência em seis meses.
"Nós vamos enfrentar os grupos de crime
organizado, custe o que custar e doa a quem doer, porque eu sou
intransigente", disse o então chefe do Executivo. No entanto, a promessa
não se concretizou e o número de homicídios continuou a subir. No fim de seu
mandato, em 1991, o Estado do Rio registrava uma taxa de 56,1 mortes por 100
mil habitantes.
Segundo Storani, a polícia comandada por Moreira
Franco encontrou um crime organizado mais equipado para enfrentar as forças de
segurança estaduais.
“Com o discurso de mudança radical nas estratégias
relativas às ações policiais, prometendo resolver o problema da violência em
seis meses, Moreira Franco iniciou o retorno da política do antigo método do
'pé na porta', caracterizado pela truculência policial. Mas as polícias com as
mesmas estruturas, procedimentos e efetivos do período anterior ao do governo
Brizola, encontraram uma criminalidade mais organizada e melhor armada”,
acrescentou o ex-Bope.
Brizola retornou ao poder em 1991 e a taxa de
homicídios sofreu uma redução significativa, marcando 39,1 mortes por 100 mil
habitantes. Com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, em 1992, a Rio-92, o Exército e demais forças de segurança
foram acionadas para garantir a segurança do evento. A mobilização naquele ano
permitiu uma leve queda na taxa de homicídio, que marcou o índice de 35 mortes
por 100 mil habitantes. Mas em 1993, o número subiu para 41 homicídios por 100
mil habitantes.
“O recrudescimento dos confrontos armados em meados
da década de 1980, entre a polícia e os grupos criminosos, ocasionou a morte de
muitos policiais em razão da falta de preparo técnico, do novo tipo de
confronto e do armamento inferior em autonomia e alcance, em comparação aos dos
criminosos. Essa inferioridade bélica só foi equilibrada com o empréstimo de
fuzis calibre 7,62mm pelo Exército Brasileiro, em meados dos anos 1990”,
pontuou Storani.
Proibição do STF começou na pandemia e vigora até hoje
Impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro e
entidades de esquerda no STF, em 2020, a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental 635 suspendeu operações policiais em favelas do Rio de Janeiro
durante a pandemia de covid-19, salvo em situações de emergência e com a
comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Apesar
da pandemia já ter se encerrado, a suspensão continua valendo e o Supremo
decidiu que o governo do Estado deve seguir um plano de redução de mortes em
operações policiais.
De lá pra cá, a violência no Rio chegou a
apresentar uma redução, mas as consequências de restringir a presença da
polícia nos morros volta a aparecer nos números. Segundo os dados do Instituto
de Segurança Pública (ISP), de 2019 até 2022, o Rio viu o número de homicídios
cair de 4.004 para 3.059, uma queda de quase 24%. No entanto, o primeiro
semestre de 2023 já registrou 1.941 mortes, uma alta de quase 9% em relação ao
mesmo período do ano passado (1.782).
Na opinião de Alessandro Visacro, analista de
assuntos militares e autor do livro "A guerra na era da informação"
(Ed. Contexto, 2018) as decisões de Brizola e do STF trazem grande impacto para
a segurança pública no longo prazo.
“A grande lição que fica é a seguinte: sempre que
você restringe a operação policial, você tem um efeito negativo de médio e
longo prazo. Quando vemos as restrições impostas pela ADPF 635, fica evidente
que não aprenderam com o que aconteceu nos anos de 1980. A roupagem humanitária
dada à essa ação serve muito bem à demagogia. Mas o efeito concreto se tornou
negativo.”
Já para Storani, a ADPF atingiu a capacidade de
pronta resposta da polícia à violência ocorrida no Rio de Janeiro.
"Criou-se restrições para o emprego da força
policial e o crime é muito volátil. A grande questão da polícia é a pronta
resposta, a capacidade de responder prontamente aos acontecimentos, é prevenir
os fatos e agir de uma forma tão rápida que outros fatos semelhantes não
ocorram – pela rapidez da resposta. A ADPF 635 gerou essa falta de resposta",
disse.
Brizola favoreceu a ampliação das
favelas
As favelas do Rio de Janeiro surgiram logo no
início do século XX, mas sua expansão na década de 1980 ganhou novos contornos
devido à política fundiária de Brizola. Durante seu primeiro governo, ele
instaurou a Comissão de Assuntos Fundiários, dentro da Secretaria de Justiça, e
deu ordens à Polícia Militar para não dar cobertura para ações de despejo ou
reintegração de posse de comunidades sem antes consultar a comissão.
A medida é vista como um dos principais fatores
para o crescimento das favelas cariocas. Sem a fiscalização do poder público,
as invasões continuaram a crescer e tomar espaços nos morros desabitados.
“Houve uma grande expansão de favelas no Rio de
Janeiro nessa época, principalmente em áreas de Proteção Ambiental. A polícia
foi orientada a não subir os morros e com certeza isso contribuiu para que
novos terrenos fossem tomados”, lembrou Paulo Storani.
Brizola também extinguiu a secretaria
de Segurança
Assim como foi feito pelo ex-governador Wilson
Witzel, em 2019, Brizola também extinguiu a Secretaria de Segurança do Estado e
elevou os comandos das polícias ao status de secretaria. Assim, em 1983, foram
criadas as secretarias da Polícia Judiciária e Direitos Civis e a de Polícia
Militar.
Segundo apuração do Jornal do Brasil, na época, a
medida pegou de surpresa aliados e adversários políticos. A expectativa era uma
maior integração entre as polícias, mas o governador resolveu fazer o
contrário. Brizola justificou a decisão alegando que o mesmo havia sido feito
pelo então presidente francês François Mitterrand - o primeiro presidente
socialista eleito na França.
Questionado sobre com quem ficaria o comando das
polícias, Brizola se limitou a dizer que a legislação faria esse papel. "A
lei, respaldada pela legitimidade do Governo. Estamos impressionados com a
situação atual. As instituições não funcionam. Assim não pode continuar",
disse o governador ao anunciar seu secretariado à imprensa.
Apesar da declaração, o comando foi direcionado a
um “assessor especial” subordinado ao governador. Na prática, Brizola tomou
para si o comando efetivo das duas polícias como forma de driblar a
interferência do Exército. De acordo com um decreto da época, secretários de
segurança dos Estados deveriam ter seus nomes aprovados pelo então ministro do
Exército.
A pasta foi recriada somente 12 anos depois, na
gestão do governador Marcello Alencar (1925-2014). Em 2019, Witzel acabou com a pasta por
pressão de lideranças policiais, que ofereceram seu apoio político
ao governador em troca do fim da Secretaria de Segurança. Eles queriam dispor
mais livremente de cargos e indicações políticas.
Mas a ação foi desastrosa pois desarticulou toda a
política de segurança que havia sido criada um ano antes em uma intervenção
federal. As polícias deixaram de lado a integração e aboliram a corregedoria
independente, dando espaço para a expansão da corrupção.
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