ENTRE O FIM DO SÉCULO XIX e
as primeiras três décadas da era seguinte, o Brasil representou um porto de
esperança para cerca de 4 milhões de imigrantes, vindos principalmente da Europa.
A grande maioria atravessou o Atlântico para recomeçar a vida nos trópicos
fugindo das guerras e da fome, atraída por programas governamentais daqui que
tinham o objetivo de recrutar mão de obra estrangeira para as lavouras ou
incentivar a ocupação de porções ainda vazias do território. Nos últimos
trinta anos, esse fluxo se inverteu, adquirindo ainda mais velocidade de 2019
para cá. O êxodo em massa coincide com a chegada de Jair Bolsonaro ao Palácio
do Planalto, quando a quantidade de brasileiros que saiu do país aumentou em
quase 20%, totalizando hoje 4,2 milhões de pessoas, um recorde na história.
Tal incremento é ainda mais impressionante quando se leva em consideração
que, em boa parte dos últimos dois anos, o mundo esteve com as fronteiras
fechadas devido à pandemia.
Mais uma vez, o governo federal tem um papel importante como incentivador
dessa corrente migratória, só que na direção contrária. A falta de políticas
claras e coerentes de desenvolvimento, os crescentes desatinos presidenciais
e o descalabro da gestão da crise sanitária, que só agravou as consequências
econômicas da Covid-19, fizeram do Brasil um lugar menos atrativo para
aqueles que desejam trabalho, oportunidades e paz. Tão saudoso dos tempos da
ditadura, que cunhou nos anos de chumbo o slogan “Brasil, ame-o ou deixe-o”,
Bolsonaro provocou uma instabilidade (conflito entre poderes, flertes com um
autogolpe e questionamentos sobre a urna eletrônica) que acabou se
transformando em um fator relevante para intensificar esse fluxo migratório.
Inédito em nossa história, o volume de expatriados mexeu também com o ranking
dos destinos mais procurados. Além de Estados Unidos e Portugal, paradeiros
clássicos dos brasileiros, entraram para a lista nações como Irlanda, Uruguai
e México. Nesse último caso, o país latino acaba servindo muitas vezes de
mera escala para a aventura perigosa de atravessar ilegalmente a fronteira em
direção ao território americano, algo capaz de produzir catástrofes
humanitárias em série, sendo o exemplo mais recente o da técnica de
enfermagem Lenilda dos Santos, de 49 anos, que morreu abandonada no meio do
deserto.
A despeito de tragédias protagonizadas por pessoas dispostas a tudo, pois já
não têm nada mais a perder por aqui, parte considerável dos brasileiros em
rota de escape atualmente tem melhores condições financeiras e
profissionais. Conforme mostra o jornalista
Leonardo Lellis, elas saem em debandada em busca de estabilidade, segurança e
serviços públicos de qualidade, sobretudo na educação e na saúde.
O êxodo ainda carrega para longe uma grande leva de profissionais
qualificados (a chamada “fuga de cérebros”) e vem sendo engordado cada vez
mais por jovens atrás de diplomas e de um futuro melhor fora do Brasil.
Assim, aos poucos, o país da esperança para milhões de estrangeiros no
passado hoje empurra seus cidadãos para tentar a sorte no exterior. Uma
lástima.
Boa
leitura,
Mauricio Lima
Diretor de Redação de Veja
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