segunda-feira, 29 de março de 2010

O Brasil é dos espertos

O Brasil é dominado por uma quadrilha política refinada. Por isso, é muito difícil pegar alguém porque a maioria tem rabo preso por irregularidades praticadas e não vai querer ser denunciado ou denunciar ninguém. É o tal de risco sistêmico. O chamado efeito dominó. Se alguém abrir a boca, todos sucumbirão. Mas, felizmente, por linhas tortas essas safadezas são descobertas. Hoje, um "laranja" melindrado denuncia Romero Jucá. Ontem, foi o ex-deputado Roberto Jefferson, com o seu traseiro na fogueira, que denunciou os mensaleiros do PT. Aqui, no Brasil, as coisas só se descobrem por linhas tortas. Vejam a reportagem do Congresso em Foco.

29/03/2010 - 06h00

Fundação não autorizou transferência para filho de Jucá

Pessoas que assinam pedido de transferência não são membros da entidade listados em processo no Ministério das Comunicações. Também não existe procuração que permita a elas falar em nome da dona da TV Caburaí

Eduardo Militão

Durante anos, conforme versão que contou ao Congresso em Foco, o lobista Geraldo Magela Fernandes da Rocha foi laranja do senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, na TV Caburaí, o canal 8 de Boa Vista. Magela entrou numa briga judicial com Jucá. Quando, porém, entrou na Justiça para tentar reaver a propriedade da emissora, o Ministério das Comunicações transferiu-a para a empresa Buritis Comunicações Ltda, que pertence ao filho do senador, Rodrigo Jucá. A transferência, em tese, anularia qualquer possibilidade de Magela sair vencedor no processo que move.

Segundo a documentação do Ministério das Comunicações, a transferência foi feita a pedido da Fundação Roraima, que tinha antes a concessão do canal de TV. O Congresso em Foco revela agora: o pedido de transferência da concessão não foi assinado por nenhuma das pessoas que legalmente tinham a autoridade para fazer a operação.

Oficialmente, a Fundação Roraima não autorizou a transferência do sinal do canal 8 em Boa Vista (RR) para a empresa Buritis Comunicações Ltda. As pessoas que assinam o pedido de transferência não são membros da fundação e não têm sequer procuração para atuar em nome da instituição. O Congresso em Foco consultou o processo administrativo 29000.009329/1989 do Ministério das Comunicações. Até 23 de março deste ano, a papelada de mais de 300 páginas mostrava que os membros da Fundação são, desde 1999, apenas seis pessoas:

- Getúlio de Souza Oliveira (presidente do Conselho Superior e da Diretoria Executiva)
- João Francisco Moura da Silva (vice-presidente do Conselho Superior e da Diretoria Executiva)
- Lena Carla Rodrigues Pinho (membro do Conselho Superior)
- Daniel Pedro Reis Peixoto (presidente do Conselho Curador)
- Cacilda Silva Carneiro (vice-presidente do Conselho Curador)
- Carlos Severino Dias da Silva (membro do Conselho Curador)

(Veja o documento)

Entretanto, o pedido de transferência que foi acatado pelo Ministério das Comunicações é assinado por Alexandre Matias Morris e Márcio Vieira Oliveira (veja o documento). O primeiro foi procurador da Uyrapuru (empresa que controlou a TV Caburaí) e da TV Imperial, segundo reportagem da revista Veja de 10 de outubro de 2007. O lobista Geraldo Magela Fernandes da Rocha, que diz ter sido laranja de Jucá na Caburaí, afirma que ambas as emissoras pertencem ao senador.

O segundo, Márcio Oliveira, é filho do ex-presidente da Fundação, Getúlio Oliveira, já falecido. Márcio foi o sócio que ingressou na TV Caburaí Ltda, para a saída do senador Romero Jucá. A empresa TV Caburaí Ltda., já inativa, chegou a fazer a programação do canal 8, quando este pertencia à Fundação Roraima.

Em outro ofício da Fundação presente no processo administrativo, o consultor Dráulio Fernando Rasera encaminha documentos para o Ministério autorizar a transferência do sinal para a Buritis. O consultor também não tem procuração da entidade, mas apenas da empresa do filho senador, o empresário Rodrigo de Holanda Menezes Jucá (veja o documento). Existe a possibilidade de Márcio Oliveira, Alexandre Morris e Fernando Rasera possuírem procurações para atuarem no caso registradas em algum cartório do país. Ou de terem virado sócios da fundação. Mas, se existem, estes documentos não constavam do processo até 23 de março de 2010.

Documento mostra quem são os integrantes da Fundação Roraima

"Completa instrução"

E é com base na documentação apresentada em meio à papelada nº 29000.009329/1989 que a Coordenação de Engenharia de Outorgas do ministério recomendou a autorização para transferir o sinal do canal 8. "A análise do processo indicou a sua completa instrução, de acordo com a legislação em vigor" é a justificativa técnica do ministério para passar a TV para as mãos do filho do senador Romero Jucá. A Consultoria Jurídica acrescentou que a transferência de outorga depende apenas de um pedido por escrito das partes interessadas. E ratificou que os técnicos atestaram que "a documentação apresentada atende ao dispositivo na legislação". (veja o documento)

Interesse político

Para o lobista Magela Rocha, que tenta na Justiça assumir o controle da TV Caburaí, o Ministério agiu dessa maneira porque "priorizou" o processo e passou por cima de possíveis irregularidades, já que havia o "interesse político" do senador Romero Jucá no fato. Como o presidente da fundação está falecido, Magela questiona porque o vice-presidente da instituição, João Francisco Moura, não foi procurado por Rodrigo Jucá ou pelo ministério. Como exemplo da vinculação do senador com a instituição, o lobista diz que Moura assinou um documento do processo (veja o documento) dentro do gabinete de Romero Jucá no Senado.

Procurado pelo Congresso em Foco, Moura não quis gravar entrevista, mas afirmou não se lembrar se assinou o papel no gabinete do senador. Disse que deixou a fundação, apesar de isso não constar no processo de transferência da TV Caburaí.

O Ministério das Comunicações foi procurado pelo site desde quarta-feira passada (24). Na sexta-feira, a assessoria do órgão afirmou que só nesta semana poderia responder porque aceitou a transferência feita com pedidos de pessoas não autorizadas pela Fundação. Romero Jucá não respondeu os questionamentos feitos a seus assessores, assim como seu filho, Rodrigo Jucá. Fernando Rasera não retornou os recados deixados em seu escritório, onde trabalhava Alexandre Morris. O Congresso em Foco não localizou Márcio Oliveira. Ninguém atendeu às ligações nos números da TV Caburaí.

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