Opinião
Colunista do UOL
Lula sinalizou que deve vetar o chamado PL do Marco Temporal, aprovado pelo Senado nesta quarta (27). A questão é se o veto será integral ou parcial. Porque, ironicamente, o marco é a parte natimorta do projeto de lei. O risco real está no resto. Sim, o problema do "PL do Genocídio", como é chamado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), hoje não é o marco.
Como o STF já declarou inconstitucional a tese de
que indígenas só podem reivindicar terras em que estavam em outubro de 1988,
esse trecho da nova lei não sobrevive a um questionamento à corte. Um veto de
Lula, neste caso, serve apenas para poupar tempo e recursos públicos
antecipando o inevitável. Não à toa, o senador Randolfe Rodrigues já avisou que
a tese não sobrevive à canetada do presidente da República.
Aliás, se o Congresso quiser insistir, sua melhor chance é coloca-la na
Constituição, o que vai gastar energia por demandar 60% dos votos da Câmara e
do Senado. E, ainda assim, o Supremo pode julgar que a PEC nasceu
desrespeitando princípios constitucionais básicos e derrubá-la.
Se
vetar o natimorto marco temporal e deixar passar os outros pontos do PL
2903/2023, o presidente da República vai estar fazendo média com a bancada
ruralista. Pois esses pontos formam um pacote que é verdadeiro coração pulsante
do projeto.
E que
pontos são esses?
Permitir contato com indígenas
isolados colocando sua vida em risco com doenças; proibir a ampliação de terras
já demarcadas, evitando corrigir erros do passado; retomar territórios caso um
grupo de indígenas deixe de "parecer" indígena na opinião de um governante
de plantão; dispensar consulta prévia aos indígenas para instalar bases
militares, rodovias, ferrovias e hidrovias e hidrelétricas; autorizar o cultivo
de transgênicos em territórios indígenas; facilitar que o poder público instale
redes de comunicação e linhas de transmissão de energia elétrica em terras
indígenas mesmo sem a concordância dos povos que vivem lá, entre outros.
Depois de 570 cadáveres de crianças
Yanomami e da violência contra os guaranis e dos kaiowás, entre tantos outros,
fruto da relativização de seus direitos em nome de um pretenso progresso que se
acentuou nos últimos quatro anos, a aprovação desse pacotão é visto como
insulto por lideranças indígenas.
Amuado pelo STF cumprir sua função de
analisar a constitucionalidade, o Congresso manda recados através da vida de
povos tradicionais. O Senado até abriu mão de sua função de casa revisora,
evitando emendar o texto para que a proposta não voltasse à Câmara. Recados
que, se não vetados integralmente por Lula, trarão lucro para alguns e morte
para outros.
Considerações:
Os parlamentares são rápidos no gatilho, quando interesses não
republicanos e de grupos poderosos são confrontados. Se fosse para aprovar
projetos de interesse social e de moralização da República, aí os
"ilustres" parlamentares não teriam a mesma destreza, a mesma
determinação. Uma vergonha!
Mas
não esqueçam, “excelências”, que o PL já nasce inconstitucional, pois a Corte
decidiu recentemente pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal. Portanto,
a aprovação pelo Congresso Nacional do marco temporal, ainda que sancionada
pelo presidente da República, pode ser judicializada através de Ação Direta de
Inconstitucionalidade.
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