quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Após marco temporal nascer morto, desafio de Lula é evitar parte letal do PL


Leonardo Sakamoto

 Opinião  

Leonardo Sakamoto

Colunista do UOL


Lula sinalizou que deve vetar o chamado PL do Marco Temporal, aprovado pelo Senado nesta quarta (27). A questão é se o veto será integral ou parcial. Porque, ironicamente, o marco é a parte natimorta do projeto de lei. O risco real está no resto. Sim, o problema do "PL do Genocídio", como é chamado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), hoje não é o marco.

Como o STF já declarou inconstitucional a tese de que indígenas só podem reivindicar terras em que estavam em outubro de 1988, esse trecho da nova lei não sobrevive a um questionamento à corte. Um veto de Lula, neste caso, serve apenas para poupar tempo e recursos públicos antecipando o inevitável. Não à toa, o senador Randolfe Rodrigues já avisou que a tese não sobrevive à canetada do presidente da República.

Aliás, se o Congresso quiser insistir, sua melhor chance é coloca-la na Constituição, o que vai gastar energia por demandar 60% dos votos da Câmara e do Senado. E, ainda assim, o Supremo pode julgar que a PEC nasceu desrespeitando princípios constitucionais básicos e derrubá-la.

Se vetar o natimorto marco temporal e deixar passar os outros pontos do PL 2903/2023, o presidente da República vai estar fazendo média com a bancada ruralista. Pois esses pontos formam um pacote que é verdadeiro coração pulsante do projeto.

E que pontos são esses?

Permitir contato com indígenas isolados colocando sua vida em risco com doenças; proibir a ampliação de terras já demarcadas, evitando corrigir erros do passado; retomar territórios caso um grupo de indígenas deixe de "parecer" indígena na opinião de um governante de plantão; dispensar consulta prévia aos indígenas para instalar bases militares, rodovias, ferrovias e hidrovias e hidrelétricas; autorizar o cultivo de transgênicos em territórios indígenas; facilitar que o poder público instale redes de comunicação e linhas de transmissão de energia elétrica em terras indígenas mesmo sem a concordância dos povos que vivem lá, entre outros.

Depois de 570 cadáveres de crianças Yanomami e da violência contra os guaranis e dos kaiowás, entre tantos outros, fruto da relativização de seus direitos em nome de um pretenso progresso que se acentuou nos últimos quatro anos, a aprovação desse pacotão é visto como insulto por lideranças indígenas.

Amuado pelo STF cumprir sua função de analisar a constitucionalidade, o Congresso manda recados através da vida de povos tradicionais. O Senado até abriu mão de sua função de casa revisora, evitando emendar o texto para que a proposta não voltasse à Câmara. Recados que, se não vetados integralmente por Lula, trarão lucro para alguns e morte para outros.

 Considerações:

Os parlamentares são rápidos no gatilho, quando interesses não republicanos e de grupos poderosos são confrontados. Se fosse para aprovar projetos de interesse social e de moralização da República, aí os "ilustres" parlamentares não teriam a mesma destreza, a mesma determinação. Uma vergonha!

 

Mas não esqueçam, “excelências”, que o PL já nasce inconstitucional, pois a Corte decidiu recentemente pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal. Portanto, a aprovação pelo Congresso Nacional do marco temporal, ainda que sancionada pelo presidente da República, pode ser judicializada através de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

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