terça-feira, 26 de setembro de 2023

General Heleno, que deu 'foda-se' ao Congresso, volta para prestar contas

  

 

Leonardo Sakamoto

Opinião

Leonardo Sakamoto

Colunista do UOL

26/09/202

O mundo não gira, capota. O augusto general Heleno, que já conclamou Jair Bolsonaro a chamar seu povo às ruas para emparedar o Congresso, concluindo sua fala com um sonoro "foda-se", agora corajosamente pediu ao STF para faltar ao depoimento da CPMI dos Atos Golpistas nesta terça (26). Ganhou só o direito de ficar em silêncio.

É incrível como a ausência de poder e, principalmente, de perspectiva de poder, torna os boquirrotos comedidos.

Durante a gestão Bolsonaro, coube ao general Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, dar uma lembrada, de tempos em tempos, que o seu chefe podia promover um golpe de Estado. Ajudava a manter o país sob tensão e a extrema direita excitada.

"Eu tenho que tomar dois Lexotan na veia por dia para não levar o presidente a tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são tomadas por esse STF que está aí", disse em dezembro de 2021.

Em 16 de agosto daquele ano, ele já havia afirmado que as Forças Armadas podem atuar como um "poder moderador", o que não existe na Constituição, e que não acredita em um golpe militar "no momento". Depois, descobrimos que o momento correto era entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023.

Em maio de 2020, diante de um pedido de apreensão de celulares do presidente da República e de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, ameaçou: "Tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional." Mais explícito do que isso, só com os nomes do cabo e do soldado que eles mandariam para fechar o STF.

Já em outubro de 2019, após o deputado federal Eduardo Bolsonaro sugerir um novo AI-5 caso a esquerda se radicalizasse, Heleno não demonstrou repúdio, mas disse: "se [Eduardo] falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir".

Mas, ressalte-se, que, em fevereiro de 2020, Augusto Heleno esqueceu de tomar o tal Lexotan ao qual se refere ao conclamar o governo a não ficar "acuado" pelo Congresso Nacional e pedir ao presidente "convocar o povo às ruas". Ao então ministro da Economia, Paulo Guedes, e ao então ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, disse: "não podemos aceitar esses caras chantageando a gente. Foda-se".

O "foda-se" de Heleno se juntou ao rosário de "foda-se" que o próprio Bolsonaro cometeu contra a democracia nos quatro anos de seu mandato. O general da reserva, um dos mais próximos assessores do ex-presidente, e cúmplice de suas movimentações antidemocráticas, poderia fazer um bem enorme à democracia se resolvesse falar tudo o que sabe. Poderia, mas não fará.

Vivemos, sob Bolsonaro, a "Era do Foda-se". Sabe aquele esforço para se preocupar com as consequências das próprias ações e palavras e, no mínimo, manter as aparências? No contexto em que estávamos, ele se aposentou, mandando avisar que só daria as caras quando a democracia plena voltasse.

Até lá, cada autoridade ou membro da elite deste país pode falar ou fazer o que quisesse, sem medo da repercussão negativa junto à população ou responsabilização legal. Até porque, convenhamos, foda-se.

A Era do Foda-se tem suas consequências, claro. Vendo autoridades darem de ombros para a razão, a população foi deixando de acreditar naquilo que nos mantém unidos como país. E passaram a descumprir leis, regras e normas porque percebem que não valem muita coisa mesmo. Se o presidente da República ataca sistematicamente as leis, por que seus seguidores não podem atacar também?

E, iniciado, o processo de derretimento das instituições e do respeito da população a elas não pode ser freado do dia para a noite. Como já disse aqui, a solução demanda nova pactuação política e social, aliada a muito suor em articulações para a construção de consensos - exatamente aquilo que um governo autoritário tem ojeriza. Porque um governo autoritário precisa do enfrentamento que cria inimigos reais e imaginários para sobreviver.

Ao tentar fugir da CPMI dos Atos Golpistas, Heleno reedita o foda-se, mas sem a empáfia com a qual governou nos últimos quatro anos ao lado de Bolsonaro. O que

reforça que a coragem e o espírito democrático de alguns militares, é relativa.

Considerações:

Esses "generaizinhos da banda"  só são valentes quando estão com  o mosquetão em punho.

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