Opinião
Colunista do UOL
26/09/202
O mundo não gira, capota. O augusto general Heleno, que já conclamou Jair Bolsonaro a chamar seu povo às ruas para emparedar o Congresso, concluindo sua fala com um sonoro "foda-se", agora corajosamente pediu ao STF para faltar ao depoimento da CPMI dos Atos Golpistas nesta terça (26). Ganhou só o direito de ficar em silêncio.
É
incrível como a ausência de poder e, principalmente, de perspectiva de poder,
torna os boquirrotos comedidos.
Durante a
gestão Bolsonaro, coube ao general Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de
Segurança Institucional, dar uma lembrada, de tempos em tempos, que o seu chefe
podia promover um golpe de Estado. Ajudava a manter o país sob tensão e a
extrema direita excitada.
"Eu tenho que tomar dois Lexotan na veia por dia para não levar o
presidente a tomar uma atitude mais drástica em relação às atitudes que são
tomadas por esse STF que está aí", disse em dezembro de 2021.
Em 16 de
agosto daquele ano, ele já havia afirmado que as Forças Armadas podem atuar
como um "poder moderador", o que não existe na Constituição, e que
não acredita em um golpe militar "no momento". Depois, descobrimos
que o momento correto era entre 30 de outubro de 2022 e 8 de janeiro de 2023.
Em maio
de 2020, diante de um pedido de apreensão de celulares do presidente da
República e de seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro,
ameaçou: "Tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia
entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade
nacional." Mais explícito do que isso, só com os nomes do cabo e do
soldado que eles mandariam para fechar o STF.
Já em
outubro de 2019, após o deputado federal Eduardo Bolsonaro sugerir
um novo AI-5 caso a esquerda se radicalizasse, Heleno não demonstrou repúdio,
mas disse: "se [Eduardo]
falou, tem de estudar como vai fazer, como vai conduzir".
Mas,
ressalte-se, que, em fevereiro de 2020, Augusto Heleno esqueceu de tomar o tal
Lexotan ao qual se refere ao conclamar o governo a não
ficar "acuado" pelo Congresso Nacional e pedir ao presidente
"convocar o povo às ruas". Ao então ministro da
Economia, Paulo Guedes,
e ao então ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos,
disse: "não podemos aceitar esses caras chantageando a gente.
Foda-se".
O
"foda-se" de Heleno se juntou ao rosário de "foda-se" que o
próprio Bolsonaro cometeu contra a democracia nos quatro anos de seu mandato. O
general da reserva, um dos mais próximos assessores do ex-presidente, e
cúmplice de suas movimentações antidemocráticas, poderia fazer um bem enorme à
democracia se resolvesse falar tudo o que sabe. Poderia, mas não fará.
Vivemos,
sob Bolsonaro, a "Era do Foda-se". Sabe aquele esforço para se
preocupar com as consequências das próprias ações e palavras e, no mínimo,
manter as aparências? No contexto em que estávamos, ele se aposentou, mandando
avisar que só daria as caras quando a democracia plena voltasse.
Até lá,
cada autoridade ou membro da elite deste país pode falar ou fazer o que
quisesse, sem medo da repercussão negativa junto à população ou responsabilização
legal. Até porque, convenhamos, foda-se.
A Era do
Foda-se tem suas consequências, claro. Vendo autoridades darem de ombros para a
razão, a população foi deixando de acreditar naquilo que nos mantém unidos como
país. E passaram a descumprir leis, regras e normas porque percebem que não
valem muita coisa mesmo. Se o presidente da República ataca sistematicamente as
leis, por que seus seguidores não podem atacar também?
E,
iniciado, o processo de derretimento das instituições e do respeito da população
a elas não pode ser freado do dia para a noite. Como já disse aqui, a solução
demanda nova pactuação política e social, aliada a muito suor em articulações
para a construção de consensos - exatamente aquilo que um governo autoritário
tem ojeriza. Porque um governo autoritário precisa do enfrentamento que cria
inimigos reais e imaginários para sobreviver.
Ao tentar
fugir da CPMI dos Atos Golpistas, Heleno reedita o foda-se, mas sem a empáfia
com a qual governou nos últimos quatro anos ao lado de Bolsonaro. O que
reforça
que a coragem e o espírito democrático de alguns militares, é relativa.
Considerações:
Esses "generaizinhos da banda" só são valentes quando estão com o mosquetão em punho.
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